sábado, 22 de fevereiro de 2014

3a. Lição: Os pensadores que influenciaram na concepção da educação infantil

Pensadores como Comênio, Rousseau, Pestalozzi, Decroly, Froebel e Montessori (1), entre outros, estabeleceram as bases para um sistema de ensino mais centrado na criança.
Muitos deles achavam-se compromissados com questões sociais relativas a crianças que vivenciavam situações sociais críticas (órfãos de guerra, pobreza) e cuidaram de elaborar propostas de atividades em instituições escolares que compensassem eventuais problemas de desenvolvimento. Embora com ênfases diferentes entre si, as propostas de ensino desses autores reconheciam que as crianças tinham necessidades próprias e características diversas das dos adultos, como o interesse pela exploração de objetos e pelo jogo.
Para Oliveira (2005) “ Ao longo de muitos séculos, o cuidado e a educação das crianças pequenas foram entendidos como tarefas de responsabilidade familiar, particularmente da mãe e de outras mulheres. O recorte em favor da família como a matriz educativa preferencial aparece também nas denominações das instituições de guarda e educação da primeira infância. O termo francês creche equivale à manjedoura, presépio. O termo italiano asilo indica um ninho que abriga. Escola materna foi outra designação usada para referir-se ao atendimento de guarda e educação fora da família a crianças pequenas. Até a criação de rodas – cilindros ocos de madeira, giratórios, construídos em muros de igrejas ou hospitais de caridade que permitiam que bebês fossem neles deixados sem que a identidade de quem os trazia precisasse ser identificada para recolhimento dos expostos ou a deposição de crianças abandonadas em lares substitutos, já na Idade Média e Moderna”.
Nos séculos XV e XVI, novos modelos educacionais foram criados para responder aos desafios estabelecidos pela maneira como a sociedade européia então se desenvolvia. Autores como Erasmo (1465-1530) e Montaigne (1483-1553) sustentavam que a educação deveria respeitar a natureza infantil, estimular a atividade da criança e associar o jogo à aprendizagem.
Gradativamente, surgiram arranjos mais formais para atendimento de crianças fora da família em instituições de caráter filantrópico, especialmente delineadas para esse objetivo e que organizavam as condições para o desenvolvimento infantil segundo a forma como o destino social da criança atendida era pensado.
Educar crianças menores de 6 anos de diferentes condições sociais já era uma questão tratada por COMÊNIO (1592-1670), educador e bispo protestante checo. Em seu livro “A escola da infância”, publicado em 1628, afirmava que o nível inicial de ensino era o “colo da mãe” e deveria ocorrer dentro dos lares. Em 1637 elaborou um plano de escola maternal em que recomendava o uso de materiais audiovisuais, como livros de imagens, para educar crianças pequenas.
Já em 1657 Comênio usou a imagem de “jardim-de-infância (onde “arvorezinhas plantadas”, seriam regadas) como o lugar da educação das crianças pequenas.
Em oposição ao ideário da Reforma e da Contra – reforma religiosa então em curso na Europa, o filósofo genebrino Jean Jacques ROUSSEAU (1712-1778) criou uma proposta educacional em que combatia preconceitos, autoritarismos e todas as instituições sociais que violentassem a liberdade característica da natureza. Ele destacava o papel da mãe como educadora natural da criança.
ROUSSEAU revolucionou a educação de seu tempo ao afirmar que a infância não era apenas uma via de acesso, um período de preparação para a vida adulta, mas tinha valor em si mesma; propunha que a educação seguisse a liberdade e o ritmo da natureza, contrariando os dogmas religiosos da época, que preconizavam o controle dos infantes pelos adultos.
Defendia uma educação não orientada pelos adultos, mas que fosse resultado do livre exercício das capacidades infantis e enfatizasse não o que a criança tem permissão para saber, mas o que é capaz de saber.
As idéias de Rousseau abriram caminho para as concepções educacionais do suíço PESTALOZZI (1746-1827), que também reagiu contra o intelectualismo excessivo da educação tradicional. Educar deveria ocorrer em um ambiente o mais natural possível, num clima de disciplina estrita, mas amorosa, e pôr em ação o que a criança já possui dentro de si, contribuindo para o desenvolvimento do caráter infantil. Pestalozzi destacou ainda o valor educativo do trabalho manual e a importância de a criança desenvolver destreza prática.
Também se preocupou com a idéia de que a educação deveria ser metodicamente ordenada para os sentidos: a percepção da criança seria educada pela intuição e o ensino deveria priorizar coisas, não palavras. Sua pedagogia enfatizava ainda a necessidade de a escola treinar a vontade e desenvolver as atitudes morais dos alunos.
As idéias de Pestalozzi foram levadas adiante por FROEBEL (1782-1852), educador alemão. Influenciado por uma perspectiva mística, uma filosofia espiritualista e um ideal político de liberdade, criou em 1837 um Kindergarten (jardim-de-infância) onde crianças e adolescentes – pequenas sementes que, adubadas e expostas a condições favoráveis em seu meio ambiente, desabrochariam sua divindade interior em um clima de amor, simpatia e encorajamento – estariam livres para aprender sobre si mesmo e sobre o mundo. O modo básico de funcionamento de sua proposta educacional incluía atividades de cooperação e o jogo, entendidos como a origem da atividade mental.
Elaborou canções e jogos para educar sensações e emoções, enfatizou o valor educativo da atividade manual, confeccionou brinquedos para a aprendizagem da aritmética e da geometria, além de propor que as atividades educativas incluíssem conversas e poesias e o cultivo da horta pelas crianças. Os recursos pedagógicos, básicos neste modelo, eram divididos em dois grupos: as prendas ou dons e as ocupações.
As prendas eram materiais que não mudavam de forma – cubos, cilindros, bastões e que, usados em brincadeiras, possibilitariam à criança fazer construções variadas e formar um sentido da realidade e um respeito à natureza.
Já as ocupações consistiam em materiais que se modificavam com o uso – tais como argila, areia e papel usados em atividades de modelagem, recorte, dobradura, alinhavo em cartões com diferentes figuras desenhadas, etc.
Canções completariam essa lista de materiais e atividades. As prendas e as ocupações se articulariam pela mediação da educadora na formação da livre expressão infantil, ou seja, daquilo que Froebel, dentro de seu quadro ideológico, chamou de “atividade materna”.
A ênfase posta por ele na liberdade da criança, espelhando movimentos liberais em curso na Europa, passou a ser vista como ameaçadora ao poder político alemão, o que levou o autoritarismo governamental da época a fechar os jardins-de-infância do país por volta de 1851. As sementes da renovação educacional pensada por Froebel, proibida na Alemanha, encontraram solo fértil em outros países. A sistematização de atividades para crianças pequenas com o uso de materiais especialmente confeccionados foi realizada por dois médicos interessados pela educação.
DECROLY (1871-1932), médico belga, trabalhando com crianças excepcionais, elaborou, em 1901, uma metodologia de ensino que propunha atividades didáticas baseadas na idéia de totalidade do funcionamento psicológico e no interesse da criança, adequadas ao sincretismo que ele julgava ser próprio do pensamento infantil. Decroly defendia um ensino voltado para o intelecto.
Nos centros de interesse, o trabalho se estruturaria segundo três eixos: observação, associação e expressão. Decroly é conhecido ainda por defender rigorosa observação dos alunos a fim de poder classificá-los e distribuí-los em turmas homogêneas. O nome da médica psiquiatra italiana Maria MONTESSORI (1879-1952) inclui-se também nas lista dos principais construtores de propostas sistematizadas para a educação infantil no século XX.
Em 1907, foi convidada a organizar uma sala para educação de crianças sem deficiências dentro de uma habitação coletiva destinada a famílias dos setores populares, experiência que denominou “Casa das Crianças”.
Ao contrário de Rousseau, que defendia a auto-educação, Montessori não aceitava a natureza como ambiente apropriado para o desenvolvimento infantil. Antes, era a favor da criação de um contexto que fosse adequado às possibilidades de cada criança e estimulasse seu desenvolvimento. Montessori teve como marca distintiva a elaboração de materiais adequados a exploração sensorial pelas crianças e específicos ao alcance de cada objetivo educacional. Seu material didático buscava fazer um detalhamento rigoroso do conteúdo a ser trabalhado com as crianças e previa exercícios destinados a desenvolver, passo a passo, as diversas funções psicológicas.
Sua proposta desviava a atenção do comportamento de brincar para o material estruturador da atividade própria da criança: o brinquedo. Montessori criou instrumentos especialmente elaborados para a educação motora (ligados, sobretudo à tarefa de cuidado pessoal) e para a educação dos sentidos e da inteligência – por exemplo, letras móveis, letras recortadas em cartões-lixa para aprendizagem de leitura, contadores, como o ábaco, para aprendizado de operações com números.
Foi ainda quem valorizou a diminuição do tamanho do mobiliário usado pelas crianças nas pré-escolas e a exigência de diminuir os objetos domésticos cotidianos a serem utilizados para brincar na casinha de boneca. No campo da Psicologia, uma série de autores oferecia novas formas de compreender e promover o desenvolvimento das crianças pequenas.
Vygotsky, na década de 20 e 30, atestava que a criança é introduzida na cultura por parceiros mais experientes. Ainda na primeira metade do século XX, Wallon destacava o valor da afetividade na diferenciação que cada criança aprende a fazer entre si mesma e os outros.
Os psicanalistas reconheciam que o comportamento infantil deveria ser interpretado, e não meramente aceito em seus aspectos observáveis. Finalmente, há que mencionar as pesquisas de Piaget e colaboradores que revolucionaram a idéia dominante sobre a criança.
Novos protagonistas destacaram-se ainda na primeira metade do século XX. Celestin FREINET (1896-1966) foi um dos educadores que renovaram as práticas pedagógicas de seu tempo. Para ele, a educação que a escola dava às crianças deveria extrapolar os limites da sala de aula e integrar-se às experiências por elas vividas em seu meio social. A seu ver, as atividades manuais e intelectuais permitem a formação de uma disciplina pessoal e a criação do trabalho-jogo, que associa atividade e prazer e é por ele encarado como eixo de uma escola popular. A pedagogia de Freinet organiza-se ao redor de uma série de técnicas ou atividades, entre elas as aulas-passeio, o desenho livre, o texto livre, o jornal escolar, a correspondência inter-escolar, o livro da vida. Apesar de ele não ter trabalhado diretamente com crianças pequenas, sua experiência teve lento, mas marcante impacto sobre as práticas didáticas em creches e pré-escolas em vários países.
A defesa da brincadeira como recurso para o desenvolvimento infantil levou pais de classe média a buscar a organização de play groups, algumas horas por semana, para atendimento de seus filhos pequenos, embora ainda dentro da perspectiva tradicional no que se refere ao papel privilegiado da família na educação dos filhos. A atual etapa reconhece o direito de toda a infância.
Trata-se como “sujeito social” ou “ator pedagógico” desde cedo, agente construtor de conhecimentos e sujeito de autodeterminação, ser ativo na busca do conhecimento, da fantasia e da criatividade, que possui grande capacidade cognitiva e de sociabilidade e escolhe com independência seus itinerários de desenvolvimento. Para as crianças, cada vez mais são produzidos brinquedos educativos e literatura própria. A primeira infância constitui, assim, um campo mercadológico: brinquedos, roupas, discos, espetáculos, espaços públicos e até pedagogias.
Alguns pontos, contudo, são comuns. O debate não está mais centrado em se deve haver investimento na área de educação infantil, mas em por que e para quem ela existe e como organizá-la para oferecer serviços de qualidade. O acolhimento a crianças pequenas em instituições como creches e pré-escolas varia de país para país.
Em alguns países a pré-escola está ligada a escola primária, embora com modelos diferentes, ora centrados no desenvolvimento infantil, ora na preparação para atividades mais formalizadas. Pesquisas em diferentes países, particularmente na Europa ocidental e nos Estados Unidos, mas também no Japão, na Coréia, na Nova Zelândia, etc, revelam que o fato de a criança freqüentar uma instituição de educação infantil amplia suas condições de desenvolvimento cognitivo, físico, afetivo e de socialização, embora essa vantagem se torne menos visível com o decorrer do tempo. As crianças pequenas que se beneficiam de um serviço de qualidade tendem a desenvolver mais o raciocínio e a capacidade de solução de problemas, a ser mais cooperativas e atentas aos outros e a adquirir maior confiança em si.
Segundo algumas pesquisas realizadas, cresce a consciência, no mundo inteiro, sobre a importância da educação das crianças de 0 a 6 anos, em estabelecimentos específicos com orientações e práticas pedagógicas apropriadas, como decorrência das transformações socioeconômicas verificadas nas últimas décadas, e também apoiada em fortes argumentos consistentes advindos das ciências que investigam o processo de desenvolvimento da criança.
Na última década, várias foram as mudanças ocorridas na legislação brasileira que define a garantia de atenção às crianças de 0 a 6 anos, configurando-se mesmo, num novo ordenamento legal, iniciado pela Constituição Federal de 1988 e consolidando, por assim dizer, com a promulgação da nova LDB 9394/96. Ao menos no papel, esse novo ordenamento caracteriza-se por uma concepção de atenção à criança atribuindo-lhe a condição de cidadã, cujo direito à proteção integral deve ser assegurado pela família, pela sociedade e pelo poder público, com absoluta prioridade.
Para Emília Ferreiro (2004), em relação a sua pesquisa que muito colaborou nas discussões realizadas no Brasil na década de 80, principalmente na contrução de novas idéias sobre o desenvolvimento e aprendizagem da criança; vale a pena citar a fala dela em uma das suas entrevistas: “A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa”.
E é neste contexto que vislumbramos a necessidade de se trabalhar a educação infantil de forma mais abrangente, levando em consideração o contexto social, conhecendo e valorizando as diferenças individuais e os ritmos de aprendizagem de cada indivíduo na sua trajetória de formação epistemológica, dando a verdadeira atenção a educação infantil como primeira etapa da educação básica.

____
1 - Os fragmentos sobre os pensadores foram retirados de NICOLAU, Marieta L. M. A educação Pré-escolar: fundamentos e didática. 9. ed. São Paulo: Ática, 1997.

Nenhum comentário:

Postar um comentário